DANIEL LIE


Mida e Vorte - o tempo podre






        A podridão é a presença, presentificação e manifestação de seres além-de-humanos como fungos, bactérias, larvas, insetos em um corpo orgânico. Essa presença fica evidente pela mudança e transição semântica e semiótica com o podre, por exemplo em um alimento fresco - que pode simbolizar nutrição, desejo e estímulo - em seu oposto, quando podre - simbolizando nojo, repulsa e abjeção. Vida e morte em um contínuo, duas partes integrais de um mesmo, sendo uma das possíveis diferenciações, a temporalidade.
Quando podre, ativa-se a existência física e visível de outres seres, outres presentes.

        Um vez ativada a podridão de um corpo orgânico, com a presença desses outres, surge a sensação de que a ação do tempo tem uma aceleração exponencial da mudança da matéria com o surgimento de odores, seres decompositores e alterações estéticas. Essas alterações também podem ser enaltecidas por conta do próprio processo de decomposição - a abjeção chama a atenção - um corpo quando sem vida se transforma em um objeto, um objeto quando em decomposição se transforma em um abjeto. A relação desses três estágios de um mesmo corpo são qualidades que criamos a partir da construção social da morte e do fim. Abjeto é dar um valor baixo, de desprezo a algo - uma relação de baixeza e uma relação social de baixeza está impregnada por processos relacionados à morte.

        O estado de frescor de um corpo luta para manter sua estabilidade e durabilidade, da mesma maneira que o estado de podridão também luta para multiplicar seu processo de transmutação da matéria.
Porém, ambos processos estão contidos um em outre em um looping infinito - as bactérias em meu estômago que realizam a digestão irão, no momento do meu falecimento, expandir suas ações e digerir minha própria carne; um dia, a mosca que bota seus ovos na abjeta em putrefação também vai apodrecer; um conjunto de folhas, pasto e galhos decompondo e amontoados por muito tempo possibilitam condições ideais para o desenvolvimento de uma planta crescer: Pós-Podre.

        Quando observo a passagem do tempo de uma fruta fresca e madura, vejo o momento onde o estado de frescor é interrompido uma vez que a fruta se torna passada.

        A palavra Passada com a temporalidade: O Passado.
Uma relação entre o significado do podre e do inconsumível: O Passado.

        O que já passou, no entendimento linear do tempo, é um tempo podre?

        Ao mesmo tempo, se olharmos pela perspectiva cronológica e contável, podre é o futuro, uma vez que ainda dentro de um recorte linear - passado, presente e futuro - é o "último" estágio da fruta.

Podre é futuro.

Busco uma confusão temporal e um anacronismo como possibilidade de quebrar a binariedade de Vida e Morte.
Mida e Vorte.

O que está em decomposição? O que está estragado?
O que está deteriorado?
O que está putrefado?

Passada, Fresco, Podre

Podre, Fresca, Passado

Fresque, Passade, Podre





No trabalho de Daniel Lie o tempo é o pilar central de sua reflexão. Desde a memória mais antiga e afetiva - trazendo histórias familiares e pessoais - até o tempo das coisas no mundo; o período de uma vida, e a duração dos estados dos elementos.

Por meio de instalações, objetos e hibridização de linguagens de arte, utiliza as coisas como elas são e baseia o trabalho em conceitos relacionados à arte da performance - uma arte baseada no tempo, efemeridade e presença. Para evidenciar essas três instâncias, elementos que possuem o tempo contido em si são utilizados como a matéria em decomposição, crescimento de plantas, fungos e o corpo.

Em sua pesquisa, o olhar é voltado para tensões e tentativas de quebrar binaridades entre ciência e religião, ancestralidade e presente, morte e vida.

Artista indonésiane-pernambucane, transgênere, nasceu em São Paulo e atualmente vive um processo nômade.


SAIBA MAIS SOBRE DANIEL LIE EM:
︎Instagram
︎Website