Pêdra Costa


Eles perderam o paraíso







ki merda é essa?

Isso é como uma carta, um manifesto, um rastro de um academicismo perdido, um flerte, um tutorial, uma escrita performativa, um conjuro, um quebra-cabeça faltando peças.



me apresentando

Sou de Nova Iguaçu. Morei em Belém, Natal e Salvador. A 10 anos vivo em Berlim e morei em Viena também. Desde que pisei no palco pela primeira vez já fazem 25 anos. Eu estudei antropologia visual e urbana na universidade, onde apresentei um trabalho sobre Drag Queens, em Natal.

Comecei o trabalho Solange, tô aberta! de kuir punk funk em 2006, com músicas como Cuceta, Fuder Freud, Macho Transtornado. Atualmente desenvolvo trabalhos como  de_colon_isation, Os Estudos do Cu do Sul e Conhecimento Invisível.

Como performer, meu trabalho é experienciado através da presença do meu corpo na cena. Como empática, a troca de conhecimentos se dá na profundidade das relações pessoais direta. Por outro lado, eu preciso de solidão. Preciso recarregar minhas baterias emocionais, criar minhas obras e ritualizar minha rotina diária.



o 14º sábado de 2020

Eu, finalmente, entrei para o novo sistema de trabalho que é imposto a artistas autônomes, por causa do atual momento da pandemia de Covid-19. Fui convidada a participar de dois festivais, um na Alemanha e outro no Brasil. Performei e dei uma oficina sobre autocuidado, como parte do festival em livestream WITHIN THE LONELY HOURS no tradicional teatro Münchner Kammerspiele, com curadoria de Keith Zenga King. O festival era para ser presencial mas, devido às circunstâncias, adaptou-se. No festival no Brasil, tive uma conversa com Sabine Passareli sobre Estratégias LGBTQIA+ na Europa para o MARSHA ENTRA NA SALA, um festival livestream de 20 horas organizado e curado por pessoas Trans e Travestis.



por causa disso

A forma como aconteceu o festival WITHIN THE LONELY HOURS, a partir do isolamento social, me fez pensar no conceito de solipsismo. O conceito do festival fala deste momento: uma praga silenciosa, uma epidemia de solidão está nos encarcerando. As "redes sociais" estão nos distanciando umes des outres, ao invés de nos conectar. A primeira vez que ouvi esse termo foi através da leitura do texto Masculinity, solipsism, choreography: Bruce Nauman, Juan Dominguez, Xavier Le Roy no livro Exhausting Dance - Performance and the politics of movement de André Lepecki (2006). De alguma forma, estes dois momentos se encontram nesta escrita, nesta tentativa de pensar, sentir e refletir sobre a minha própria performance. O primeiro momento é A valsa fálica da bailarina, uma performance que eu fiz 2006 - uma dança solipsista kuir raivosa dentro do armário conhecido como banheiro masculino. O segundo é a performance de_colon_isation part VI, que eu apresentei via online no festival da Alemanha. Estar aqui só foi possível por causa dessas experiências. Catorze anos de diferença. As mesmas inquietações. Tudo ainda se mistura dentro de mim.



solipsismo

Estamos observando as subjetividades egoístas sendo expostas.

Do latim solus/sozinhe, e ipse/ego, o solipsismo revela que a única realidade do mundo sou eu. O mundo externo e outras formas de pensar não podem ser reconhecidas e não podem existir fora da minha mente. Como um conhecimento fundado em estados de experiências interiores e pessoais, o solipsismo do agora estende o ceticismo aos nossos próprios estados passados e tudo o que resta é o eu presente. Como uma posição epistemológica, o solipsismo sustenta que o conhecimento de qualquer coisa fora da própria mente é inseguro.



eles perderam o paraíso

porque a pandemia se tornou um pandemônio.

porque eles não sabem o que fazer.

porque vão perder as suas garantias.

porque eles falharam.

mas nós não.



como sair da armadilha do nosso eu?

Empatia.

Resiliência.

Somos sempre coletives, nunca individuais.

Você conhece Os Sete Princípios Herméticos?



gargalhando, nós jogamos feitiços

Foi condenada, pela lei da inquisição, para ser queimada viva na Sexta-feira da Paixão.

O padre rezava e o povo acompanhava, quanto mais o fogo ardia, mais ela dava gargalhada.

Ponto de Umbanda

Nós não morremos.

Nós nos encantamos.



inbodiesvisibleborders

Ano passado eu conjurei o futuro quando escrevi o conceito da minha performance de_colon_isation parte VI: inbodiesvisibleborders, que foi performada em Berlim no festival MANIFESTOS FOR QUEER FUTURES e esse ano por livestream no festival WITHIN THE LONELY HOURS como uma performance solipsista. 
O que/como/onde estão as fronteiras e corpas in/visíveis? O que/como/onde estão os limites entre cada uma? O que é visível? Um futuro virtual será o futuro real. Onde estamos agora é onde estamos construindo o futuro. O futuro está aqui, através de nós. Nós somos ancestrais daquelas que virão. Nossas lembranças serão virtuais, e serão acessadas por elas, que acessarão também nossas forças, nossas estratégias de sobrevivência, nosso legado invisível. Nós somos aquelas que estão mudando, aqui e agora, o futuro. Nós somos o legado arqueológico do que virá. Será que kuir ainda será kuir sem uma corpa? Não haverá futuro kuir sem a destruição do passado colonial, do presente capitalista, da sociedade normativa, antropocêntrica e binária.



como chegamos aqui e o que faremos agora?

Hoje em dia, temos que ter uma ética anticolonial.

Após esses dias, teremos que continuar a tê-la.

Caso contrário, a estética será vazia.

A sua estética chique está esvaziada.

Nós colocamos as máscaras para impedir que o vírus se espalhe e, assim, todas as outras máscaras caíram.

Como Jup do Bairro conjurou: A Arte Travesti é a única arte pós-apocalíptica possível.






Pêdra Costa é performer e antropóloga visual & urbana, brasileira-aleMona, que trabalha principalmente com artistas e comunidades kuir pelo mundo afora e começou a baixaria com a Solange, tô aberta!


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