Olá, tão boas?


Antes de tudo, gostaria de dizer que não quero escrever esse texto tal como um gênero editorial como estamos acostumadas a ver formalmente. Primeiro porque tenho construído meus processos a partir da linguagem verbal, acreditando muito no poder da fala e da partilha através da oralidade. Segundo: essa publicação deveria ser mais um dos meus programas de rádio, mas que pelo advento da pandemia de Covid19 não poderia acontecer. Aqui neste editorial, como qualquer outro texto que escrevo, faço resmungando e acreditando que vai terminar por ser uma merda!!!


Há muitíssimas formas de se pensar o apocalipse, num primeiro plano há uma imagem hegemônica e, porque não dizer, hollywoodiana do fim do mundo em que elas ficam numa luta incessante para ficar vivas e correr do perigão. Acho que essa é a imagem mais recorrente que muitas têm de um momento como este. Não da imagem por si mesma, mas pelo sentimento de imobilização que é comunicado, da gata se sentir presa em casa e sem ter muito o que fazer. Não vou dizer sem ter muito o que fazer, mas com possibilidades ainda mais reduzidas, tendo em vista a problemática de um fim sempre eminente no cotidiano delas, mas que nesse momento vêm e se difundem de uma maneira mais intensa e atordoante. Tenho sentido ou pressentido um terror midiático instaurado estruturalmente e até sentimentalmente no dito plano de controle dos corpos e dos afetos que, cá entre nós, já existe a muito tempo.



Este texto não tem como presunção ser algo aprofundado sobre o momento que vivemos,  explicar o porquê o Mote se desdobrou nessa publicação ou mesmo de dizer o porquê de eu, na pessoa de Paulete LindaCelva, resolvi reunir um monte de gente com escritas, desenhos, ensaios e lolokisses numa revista.


Comecei a ter inúmeras viagens que foram se tornando questões sobre o porquê não aproveitar o ócio? Sobre o porquê que o não contato, o não encontro e a não produtividade afeta tanto as pessoas? São tantas viagens sobre o dito isolamento social que partem delas ou pelo menos de mim, sendo trans, negra , periférica e sei lá mais quantos rótulos e minorias meu corpo consegue suportar. Me dá um pouco de agonia ver que já convivia com o isolamento faz um tempo ou já tinha sido posta em isolamento há um tempão no sentido estrutural da coisa. O mesmo serve pra ideia de apocalipse, imagina: em 1500 tão elas fazendo seus corres e de repente desce aquele monte de desgraça que só trouxe o que não presta... tanto peso, que o ranço desse amargor de fel até hoje está na boca de preto e índio.


Como tinha dito, isso aqui não é pra ser necessariamente sobre como eu gosto de dizer "o carneiro" que estamos vivendo, mas sim para conspirar, confabular, amargurar, tramar e ficcionar a possibilidade de não morte, isolamento e sentimentos que já temos há um tempo e que agora podem até se fazer mais presentes, mas que nunca estiveram longe ou deixaram de ser uma realidade.


Por fim, acredito que isso aqui é uma reunião de afetos, pragas, conjurações e "carneiros" lançados de volta e que podem partir de um lugar de ódio, de reconstrução de imaginários apocalípticos, de amor ou da ficção real de que há "OUTROS FINS QUE NÃO A MORTE ."

– Paulete LindaCelva
Curadoria e Idealização Paulete LindaCelva
Realização Mote e Cereal Melodia
Arte Laura Fraiz


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Sobre a curadora:
Paulete LindaCelva (1994) é Recifense residindo em São Paulo. curadora independente,DJ, artista visual e apresentadora.Tem sua produção permeada por questões de raça, desobediência de gênero e políticas de afirmação, atualmente desenvolve o projeto “MOTE” em parceria com a Cereal Melodia.

Sobre o Mote:
é o programa de rádio curado e apresentado por Paulete LindaCelva, a série de debates estão na plataforma do Cereal Melodia e conta com mais de 15 episódios e 40 convidados, entre eles, artistas, músicos, ativistas, produtores, performers e DJs.

Sobre o Cereal Melodia: 
Cereal Melodia é uma plataforma para a livre exploração da diversidade musical e seus infinitos contextos. Por meio de podcasts, publicações e lives a plataforma debate diversos assuntos que permeiam as nossas vidas. A plataforma é gerida de forma totalmente independente graças ao apoio de inúmeras pessoas que se dispõe a colaborar para uma melhor discussão. Hoje, a plataforma é operada por Fernanda Carlim, Gabto, Lucas Neves e com apoio da Clava.co.


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