VENTURA PROFANA


Nova Era / Dunas



Nova Era
VENTURA PROFANA


rasgo no céu ______________ da boca,
virar o ano cá espinha cruzando a garganta.
calcanhar frouxo, sempre parece que estou quebrando os pés.

~~deise são as iabás falando ao pé do meu ouvido~~

gosto muito quando choro, pois sinto dentro ((( não faz bem confiar em ruínas.
deitei sobre elas pra me sentir barca à vela e meti a medula numa quina de mármore;
mais olhos no mar que cabelos em terra mais olhos no mar que cabelos em terra
manancial é negra onipresença.

teto de telha pra ver o batuque das gotas chuvestres

dançando enquanto tenho colo na fartura do corpo dela.

só deus sabe, o gol acelera na estrada e meu picumã avoa no vento.

sei pela forma como as crianças me quendam. não sou humana.

sou filha das encantarias;

de ver - ter vista, tato, escuta e olfato sensíveis para contemplar, para não ser homem.

para não ser dor. para não saber o que meus inimigos doutrinaram-me a ser.

desaber murmurar.

muriçocas atormentam-me pois bebem das

córregos,

riachos,

lagos,

corredeiras dentro de mim.

oceanas.

a maré da maranhão afogou o ego que ameaçava a obra,

caí na lama e entreguei alaranjada o cadáver no mangue, descamada.

fui para que pudesse ser igarapé.

trinta dias descalça, seis meses desencarnada,

palmeiras sem impérios, dias findados à céus bordados de púrpura,

farelos de carimã, muito laranja, dias inteiros de rosa.

se respirar pesco a conversa arregalada, bailada com quem tem olhos marejados de pedra. das mais velhas, ela é quem guarda quimeras de um punhado infinito de pretas que passaram por cá.

quando um lambari nos engoliu enquanto fazíamos sementes de laços em trepa pra sempre, com força tamanha que desci convencida pelo escorrego, sendo cumprimentada por mais de cem mil caranguejos no mangue de alcântara; três dias depois me vomitei.

arrocha. ela me encarou, rosa, ela estava refletida nos olhos do homem que apareceu às duas da manhã. ela retomou posse.

margarida entendia a língua das jibóias. a escrita delas à cada concha arrecada no deserto, segredos sobre como cobrir pedacinhos de atmosfera e oceano, gotas dum chá de bálsamo.

cu alinhado devora sete vezes mais.

a cada provação, mais boniteza.

novenas e estribilhos na missão de arrancar as cabeças de senhoras e senhores.

qual a idade das águas?






– Ventura Profana é cantora, escritora, compositora, performer e artista visual. Doutrinada nos templos batistas, investiga as implicações do deuteronomismo no Brasil.  Filha das entranhas misteriosas da mãe Bahia, Ventura Profana é carcará, negra travesti nordestina que tem fome e sede.


SAIBA MAIS SOBRE VENTURA PROFANA EM:
︎Instagram
︎Youtube